30 junho, 2006

Despedida



Foto: Melancolia
Autor: Graça
Fonte: Olhares.com


Despedida

"Não me coroes, Alma querida, de rosas:
o encanto da Juventude é efêmero;
e a minha é quase extinta.
Também não me coroes de louros:
a Glória não fala ao coração, nem o ouve;
passa longínqua e fria.
Coroa-me das heras, que abraçam as graves ruínas:
são da humildade símbolo, e da tristeza eterna..."

Carlos Magalhães de Azeredo

21 junho, 2006

Eu apenas queria que você soubesse...


Foto: Paulo Amado
Lugar: Casa de Fados, em Lisboa


Eu apenas queria que você soubesse...

"Eu apenas queria
que você soubesse
Que aquela alegria
ainda está comigo
E que a minha ternura
não ficou na estrada
não ficou no tempo
presa na poeira

Eu apenas queria
que você soubesse
Que esta menina
hoje é uma mulher
E que esta mulher
é uma menina
que colheu seu fruto
na flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer
a todo mundo que me gosta
que hoje eu me gosto muito mais
porque me entendo
muito mais também
E que a atitude
de recomeçar
É todo dia, toda hora
É se respeitar
na sua força e fé
Se olhar bem fundo
até o dedão do pé

Eu apenas queria
que você soubesse
Que essa criança
brinca nessa roda
E não teme o corte
de novas feridas
pois tem a saúde
que aprendeu com a vida"

Gonzaguinha

18 junho, 2006

Lua adversa


Foto: The burning heart
Autor: Sombra de Prata
Fonte: Olhares.com


Lua adversa

"Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua)

No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."

Cecília Meireles

12 junho, 2006

Minha namorada



Minha namorada

"Meu poeta hoje eu estou contente
Todo o mundo de repente ficou lindo
Ficou lindo de morrer.
Eu hoje estou me rindo
Nem eu mesmo sei de que
Porque eu recebi uma cartinhazinha de você:
Se você quer ser minha namorada
Ai, que linda namorada
Você poderia ser.
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha,
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ter
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas estórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque.
E se mais do que minha namorada,
Você quer ser minha amada,
Minha amada, mas amada pra valer.
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada,
Sem a qual se quer morrer,
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois"

Vinícius de Moraes

09 junho, 2006

Bem no Fundo

"No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas."

Paulo Leminski

05 junho, 2006

Aqui na orla da praia...



Foto: Nuno Manuel Baptista
Fonte: Olhares.com



"Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu."

Fernando Pessoa