27 agosto, 2006

Sugestão



Foto: Rubem Graça
Fonte: Olhares.com


Sugestão

"Antes que venham ventos e te levem
do peito o amor — este tão belo amor,
que deu grandeza e graça à tua vida —,
faze dele, agora, enquanto é tempo,
uma cidade eterna — e nela habita.

Uma cidade, sim. Edificada nas nuvens,
não — no chão por onde vais,
e alicerçada, fundo, nos teus dias,
de jeito assim que dentro dela caiba
o mundo inteiro: as árvores, as crianças,
o mar e o sol, a noite e os passarinhos,
e sobretudo caibas tu, inteiro:
o que te suja, o que te transfigura,
teus pecados mortais, tuas bravuras,
tudo afinal o que te faz viver
e mais o tudo que, vivendo, fazes.

Ventos do mundo sopram; quando sopram,
ai, vão varrendo, vão, vão carregando
e desfazendo tudo o que de humano
existe erguido e porventura grande,
mas frágil, mas finito como as dores,
porque ainda não ficando — qual bandeira
feita de sangue, sonho, barro e cântico —
no próprio coração da eternidade.
Pois de cântico e barro, sonho e sangue,
faze de teu amor uma cidade,
agora, enquanto é tempo.

Uma cidade onde possas cantar
quando o teu peito parecer,
a ti mesmo, ermo de cânticos;
onde possas brincar sempre que as praças
que percorrias, dono de inocências,
já se mostrarem murchas, de gangorras
recobertas de musgo, ou quando as relvas
da vida, outrora suaves a teus pés,
brandas e verdes já não se vergarem
à brisa das manhãs.

Uma cidade onde possas achar,
rútila e doce, a aurora
que na treva dissipaste;
onde possas andar como uma criança
indiferente a rumos: os caminhos,
gêmeos todos ali, te levarão
a uma aventura só — macia, mansa —
e hás de ser sempre um homem caminhando
ao encontro da amada, a já bem-vinda
mas, porque amada, segue a cada instante
chegando — como noiva para as bodas.

Dono do amor, és servo. Pois é dele
que o teu destino flui, doce de mando:
A menos que este amor, conquanto grande,
seja incompleto. Falte-lhe talvez
um espaço, em teu chão, para cravar
os fundos alicerces da cidade.

Ai de um amor assim, vergado ao vínculo
de tão amargo fardo: o de albatroz
nascido para inaugurar caminhos
no campo azul do céu e que, entretanto,
no momento de alçar-se para a viagem,
descobre, com terror, que não tem asas.

Ai de um pássaro assim, tão malfadado
a dissipar no campo exíguo e escuro
onde residem répteis: o que trouxe
no bico e na alma — para dar ao céu.

É tempo. Faze tua cidade eterna,
e nela habita:
antes que venham ventos, e te levem
do peito o amor — este tão belo amor
que dá grandeza e graça à tua vida."

Thiago de Mello

25 agosto, 2006

Maurício

Nestes últimos dias, tenho acordado assim meio que de mau humor, meio que querendo colo, mas querendo ficar sozinha.
Um aperto grande no peito, como a iminência de algo, de uma explosão, de uma descoberta que vai de novo me jogar no abismo.
Ontem, consegui fazer algo bom, que me ajudou a afastar isso, mas hoje não está acontecendo.
Então, estou quieta, no canto, só observando pra ver se essa sensação passa, se o nó se desfaz, ou se consigo identificar o que está para acontecer.
Não sei se quero identificar isso como uma tentativa de prevenir, evitar que aconteça, ou de me preparar para aquilo que não será mais inesperado, mais ainda assim uma surpresa.

Acho que estou ouvindo Legião Urbana demais...



Foto: Patagonia
Fonte: Olhares.com


Maurício

"Já não sei dizer se ainda sei sentir
O meu coração já não me pertence
Já não quer mais me obedecer
Parece agora estar tão cansado quanto eu.

Até pensei que era mais por não saber
Que ainda sou capaz de acreditar.
Me sinto tão só
E dizem que a solidão até que me cai bem.

Às vezes faço planos
Às vezes quero ir
Para algum país distante e
Voltar a ser feliz.

Já não sei dizer o que aconteceu
Se tudo que sonhei foi mesmo um sonho meu
Se meu desejo estão já se realizou
O que fazer depois
Pra onde é que eu vou?
Eu vi você voltar pra mim."

Renato Russo

24 agosto, 2006

Explode coração



Foto: Edson Santos
Fonte: Olhares.com


"Chega de tentar dissimular
e disfarçar
e esconder
o que não dá mais pra ocultar
E eu não posso mais calar
já que o brilho desse olhar
foi traidor
e entregou o que você tentou conter
o que você não quis desabafar
e me cortou

Chega de temer, chorar, sofrer
sorrir, se dar
e se perder
e se achar
e tudo aquilo que é viver
eu quero mais é me abrir
e que essa vida entre assim
como se fosse o sol
desvirginando a madrugada
quero sentir a dor dessa manhã

Nascendo, rompendo, rasgando,
tomando meu corpo
e então eu
chorando, sofrendo, gostando,
adorando, gritando
feito louca, alucinada e criança
sentindo o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar
Explode coração"

Gonzaguinha

23 agosto, 2006

O amor é fogo que arde sem se ver



Obra: "O beijo"
Autor: Auguste Rodin


"Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

Luís de Camões

18 agosto, 2006

Anabela



Foto: Sérgio Rodrigo
Fonte: Olhares.com


Anabela

"No porto de Vila Velha
Vi Anabela chegar
Olho de chama de vela,
Cabelo de velejar,
Pele de fruta cabocla
Com a boca de cambucá
Seios de agulha de bússola
Na trilha do meu olhar
Fui ancorando nela
Naquela ponta de mar

No pano do meu veleiro
Veio Anabela deitar
Vento eriçava o meu pelo
Queimava em mim seu olhar
Seu corpo de tempestade
Rodou meu corpo no ar
Com mãos de rodamoinho
Fez o meu barco afundar

Eu que pensei que fazia
Daquele ventre meu cais
Só percebi meu naufrágio
Quando era tarde demais
Vi Anabela partindo
Pra não voltar nunca mais"

Música: Mário Gil e Paulo César Pinheiro
Interpretação: Renato Braz