10 abril, 2006

Alma em flor



ALMA EM FLOR
(Alberto de Oliveira)

"Foi... Não me lembra bem que idade eu tinha,
Se quinze anos ou mais;
Creio que só quinze anos... Foi aí fora
Numa fazenda antiga
Com seu engenho e as alas
De rústicas senzalas,
Seu extenso terreiro
Seu campo verde e verdes canaviais.

Era... Também o mês esquece agora
A infiel memória minha!
Maio... Junho... Não sei se julho diga,
Julho ou agosto. Sei que havia o cheiro
Do sassafrás em flor.
Sei que era o céu azul e a mesma cor
Sorria num gradil de trepadeiras;
Sei que era o tempo em que na serra, além
Cor-de-rosa se tornam as paineiras
De tanta flor que cor-de-rosa tem.



Foi, talvez nessa hora
- Como em chão virgem nascem num só dia
Duas flores irmãs, que flor e flor,
Ao tempo em que acordavam para o amor,
Eu acordei também para a poesia.

Contai, arcos da ponte, ondas do rio,
Balsas em flor, lírios da ribanceira
O enlevo meu... Das curvas ingázeiras
Cerrado arqueia-se o dossel sombrio.
Arde o sol pelo campo, onde o bravio
Gado se dessedenta nas ribeiras.
À beira d’água, como um desafio
Cantam, batendo roupa as lavadeiras.

Eu... Ponte, rio, balsas, flores, tudo
Eu, junto a vós embevecido e mudo...
(Aquelas horas de êxtase, contai-as !)
Eu, como que num fluido estranho imenso
Faço, talvez, o meu primeiro verso,
Vendo corar ao sol as suas saias.

Flores azuis, e tão azuis! aquelas
Que numa volta do caminho havia
Lá para o fim do campo, onde em singelas
Brancas boninas o sertão se abria.
A ramagem viçosa, alta e sombria
Presa, que azuis e vívidas e belas!
Um coro surdo e múrmuro se abria
De asa de toda espécie em torno delas.



Nesses dias azuis ali vividos
Elas azuis, azuis sempre lá estavam
Azuis do azul do céu de azul vestidos
Tão azuis que essa idade há muito é finda.
Como findos os sonhos que a encantavam
E eu do tempo através, vejo-as ainda !
Depois... Não a vi mais. existe ainda?
Exista ou não, a nossa história é finda.

Parado o engenho, extintas as senzalas
Sem mais senhor, existe inda a fazenda
A envidraçada casa de vivenda
Entregue ao tempo com as desertas salas.
Se ali penetras, vês em cada fenda
Verdear o musgo, e ouves se acaso falas
Soturnos ecos e o roçar das alas
De atros morcegos em revoada horrenda.
Amam o luar, entretanto, essas ruínas
Uma noite, horas mortas, de passagem
Eu, a varanda olhava, quando vejo
À luz da frente, entre cortinas
De prata e luz, chegar saudosa imagem
E, unindo os dedos, atirar-me um beijo..."

2 comentários:

Paulo disse...

Amor, adorei seu terceiro (ou sera quarto) blog. Voce tem mesmo muito pra contar e material e inspitacao de sobra pra escrever. Esse cantinho aqui e' uma linda homenagem a alguem que eu tambem admiro muito e a quem adotei como avo, ja que infelizmente nao pude conhecer nenhum dos meus dois. Seu Vicente, um grande abraco. Val, amo voce.

Anônimo disse...

Oi,Keka, fiquei surpresa e imensamente feliz com esse blog.E lembro que quando painho foi a Florianópolis nos visitar e você tinha um ano de idade, ele disse a mainha que " minha neta é maravilhosamente meiga " : e continua sendo meiga e carinhosa; beijos, querida. (sua mâe )